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Efeitos
Alinhamento:
Esquerda
Centro
Direita
A VERDADEIRA ARTE DE VIAJAR Autor: Mário Quintana A gente sempre deve sair à rua como quem foge de casa, Como se estivessem abertos diante de nós todos os caminhos do mundo. Não importa que os compromissos, as obrigações, estejam ali... Chegamos de muito longe, de alma aberta e o coração cantando!
BILHETE Autor: Mário Quintana Se tu me amas, ama-me baixinho Não o grites de cima dos telhados Deixa em paz os passarinhos Deixa em paz a mim! Se me queres, enfim, tem de ser bem devagarinho, Amada, que a vida é breve, e o amor mais breve ainda...
CANçãO DE GAROA Autor: Mário Quintana Em cima do meu telhado Pirulin lulin lulin, Um anjo, todo molhado, Soluça no seu flautim O relógio vai bater: As molas rangem sem fim. O retrato na parede Fica olhando para mim. E chove sem saber por quê... E tudo foi sempre assim! Parece que vou sofrer: Pirulin lulin lulin...
CARTA DESESPERADA Autor: Mário Quintana Como é difícil, como é difícil, Beatriz, escrever uma carta... Antes escrever os Lusíadas! Com uma carta pode acontecer Que qualquer mentira venha a ser verdade... Olha! O melhor é te descrever, simplesmente, A paisagem, Descrever sem nenhuma imagem, nenhuma... Cada coisa é ela própria a sua maravilhosa imagem! Agora mesmo parou de chover. Não passa ninguém. Apenas Um gato Atravessa a rua Como nos tempos quase imemoriais Do cinema silencioso... Sabes, Beatriz? Eu vou morrer!
COCKTAIL PARTY Autor: Mário Quintana Não tenho vergonha de dizer que estou triste, Não dessa tristeza ignominiosa dos que, em vez de se matarem, fazem poemas: Estou triste por que vocês são burros e feios E não morrem nunca... Minha alma assenta-se no cordão da calçada E chora, Olhando as poças barrentas que a chuva deixou. Eu sigo adiante. Misturo-me a vocês. Acho vocês uns amores. Na minha cara há um vasto sorriso pintado a vermelhão. E trocamos brindes, Acreditamos em tudo o que vem nos jornais. Somos democratas e escravocratas. Nossas almas? Sei lá! Mas como são belos os filmes coloridos! (Ainda mais os de assuntos bíblicos...) Desce o crepúsculo E, quando a primeira estrelinha ia refletir-se em todas as poças d'água, Acenderam-se de súbito os postes de iluminação!
ESTE QUARTO Autor: Mário Quintana Este quarto de enfermo, tão deserto de tudo, pois nem livros eu já leio e a própria vida eu a deixei no meio como um romance que ficasse aberto... que me importa este quarto, em que desperto como se despertasse em quarto alheio? Eu olho é o céu! imensamente perto, o céu que me descansa como um seio. Pois só o céu é que está perto, sim, tão perto e tão amigo que parece um grande olhar azul pousando em mim. A morte deveria ser assim: Um céu que pouco a pouco anoitecesse e a gente nem soubesse que era o fim.
EU ESCREVI UM POEMA TRISTE Autor: Mário Quintana Eu escrevi um poema triste E belo, apenas da sua tristeza. Não vem de ti essa tristeza Mas das mudanças do Tempo, Que ora nos traz esperanças Ora nos dá incerteza... Nem importa, ao velho Tempo, Que sejas fiel ou infiel... Eu fico, junto à correnteza, Olhando as horas tão breves... E das cartas que me escreves Faço barcos de papel!
PEQUENO POEMA DIDáTICO Autor: Mário Quintana O tempo é indivisível. Dize, Qual o sentido do calendário? Tombam as folhas e fica a árvore, Contra o vento incerto e vário. A vida é indivisível. Mesmo A que se julga mais dispersa E pertence a um eterno diálogo A mais inconseqüente conversa Todos os poemas são um mesmo poema, Todos os porres são o mesmo porre, Não é de uma vez que se morre... Todas as horas são horas extremas!
POEMA OLHANDO UM MURO Autor: Mário Quintana Do escuro do meu quarto - imóvel como um felino, espio a lagartixa imóvel sobre o muro: mal sabe ela da sua presença ornamental, daquele verde intenso na lividez mortal da pedra... ah, nem sei eu também o que procuro, há tanto... nesta minha eterna espreita! Pertenço acaso à raça dos mutantes? Ou sou, talvez - em meio às espantosas aparências de algum mundo estranho - um espião que houvesse esquecido seu código, a sua sigla, tudo... - menos a gravidade da sua missão!
POEMINHA DO CONTRA Autor: Mário Quintana Todos estes que aí estão Atravancando o meu caminho, Eles passarão... Eu passarinho!
SE O POETA FALAR NUM GATO Autor: Mário Quintana Se o poeta falar num gato, numa flor, num vento que anda por descampados e desvios e nunca chegou à cidade... se falar numa esquina mal e mal iluminada... numa antiga sacada... num jogo de dominó... se falar num daqueles obedientes soldadinhos de chumbo que morriam de verdade... se falar na mão decepada no meio de uma escada de caracol... e disser simplesmente tralalá... Que importa? Todos os poemas são de amor!
SEMPRE QUE CHOVE Autor: Mário Quintana Sempre que chove Tudo faz tanto tempo... E qualquer poema que acaso eu escreva Vem sempre datado de 1779!
MãE Autor: Mário Quintana Mãe... São três letras apenas As desse nome bendito: Também o Céu tem três letras... E nelas cabe o infinito. Para louvar nossa mãe, Todo o bem que se disse Nunca há de ser tão grande Como o bem que ela nos quer... Palavra tão pequenina, Bem sabem os lábios meus Que és do tamanho do Céu E apenas menor que Deus!
DATA E DEDICATóRIA Autor: Mário Quintana Teus poemas, não os dates nunca... Um poema Não pertence ao Tempo... Em seu país estranho, Se existe hora, é sempre a hora estrema Quando o anjo Azrael nos estende ao sedento Lábio o cálice inextinguível... Um poema é de sempre, Poeta: O que tu fazes hoje é o mesmo poema Que fizeste em menino, É o mesmo que, Depois que tu te fores, Alguém lerá baixinho e comovidamente, A vivê-lo de novo... A esse alguém, Que talvez ainda nem tenha nascido, Dedica, pois, os teus poemas. Não os dates, porém: As almas não entendem disso...
VIVER Autor: Mário Quintana Quem nunca quis morrer Não sabe o que é viver Não sabe que viver é abrir uma janela E pássaros pássaros sairão por ela E hipocampos fosforescentes Medusas translúcidas Radiadas Estrelas-do-mar... Ah, Viver é sair de repente Do fundo do mar E voar... e voar... cada vez para mais alto Como depois de se morrer!
AH! OS RELóGIOS Autor: Mário Quintana Amigos, não consultem os relógios quando um dia eu me for de vossas vidas em seus fúteis problemas tão perdidas que até parecem mais uns necrológios... Porque o tempo é uma invenção da morte: não o conhece a vida - a verdadeira - em que basta um momento de poesia para nos dar a eternidade inteira. Inteira, sim, porque essa vida eterna somente por si mesma é dividida: não cabe, a cada qual, uma porção. E os Anjos entreolham-se espantados quando alguém - ao voltar a si da vida - acaso lhes indaga que horas são...
PRESENçA Autor: Mário Quintana É preciso que a saudade desenhe tuas linhas perfeitas, teu perfil exato e que, apenas, levemente, o vento das horas ponha um frêmito em teus cabelos... É preciso que a tua ausência trescale sutilmente, no ar, a trevo machucado, a folhas de alecrim desde há muito guardadas não se sabe por quem nalgum móvel antigo... Mas é preciso, também, que seja como abrir uma janela e respirar-te, azul e luminosa, no ar. É preciso a saudade para eu sentir como sinto - em mim - a presença misteriosa da vida... Mas quando surges és tão outra e múltipla e imprevista que nunca te pareces com o teu retrato... E eu tenho de fechar meus olhos para ver-te!
TERESA Autor: Manuel Bandeira A primeira vez que vi Teresa Achei que ela tinha pernas estúpidas Achei também que a cara parecia uma perna Quando vi Teresa de novo Achei que os olhos eram muito mais velhos que o resto do corpo (Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do corpo nascesse) Da terceira vez não vi mais nada Os céus se misturaram com a terra E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águas.
BELO BELO Autor: Manuel Bandeira Belo belo belo, Tenho tudo quanto quero. Tenho o fogo de constelações extintas há milênios. E o risco brevíssimo — que foi? passou — de tantas estrelas cadentes. A aurora apaga-se, E eu guardo as mais puras lágrimas da aurora. O dia vem, e dia adentro Continuo a possuir o segredo grande da noite. Belo belo belo, Tenho tudo quanto quero. Não quero o êxtase nem os tormentos. Não quero o que a terra só dá com trabalho. As dádivas dos anjos são inaproveitáveis: Os anjos não compreendem os homens. Não quero amar, Não quero ser amado. Não quero combater, Não quero ser soldado.
A MORTE ABSOLUTA Autor: Manuel Bandeira Morrer. Morrer de corpo e de alma. Completamente. Morrer sem deixar o triste despojo da carne, A exangue máscara de cera, Cercada de flores, Que apodrecerão - felizes! - num dia, Banhada de lágrimas Nascidas menos da saudade do que do espanto da morte. Morrer sem deixar porventura uma alma errante... A caminho do céu? Mas que céu pode satisfazer teu sonho de céu? Morrer sem deixar um sulco, um risco, uma sombra, A lembrança de uma sombra Em nenhum coração, em nenhum pensamento, Em nenhuma epiderme. Morrer tão completamente Que um dia ao lerem o teu nome num papel Perguntem: "Quem foi?..." Morrer mais completamente ainda, - Sem deixar sequer esse nome.
O ANEL DE VIDRO Autor: Manuel Bandeira Aquele pequenino anel que tu me deste, – Ai de mim – era vidro e logo se quebrou… Assim também o eterno amor que prometeste, - Eterno! era bem pouco e cedo se acabou. Frágil penhor que foi do amor que me tiveste, Símbolo da afeição que o tempo aniquilou, – Aquele pequenino anel que tu me deste, – Ai de mim – era vidro e logo se quebrou… Não me turbou, porém, o despeito que investe Gritando maldições contra aquilo que amou. De ti conservo no peito a saudade celeste… Como também guardei o pó que me ficou Daquele pequenino anel que tu me deste…
VOU-ME EMBORA PRA PASáRGADA Autor: Manuel Bandeira Vou-me embora pra Pasárgada Lá sou amigo do rei Lá tenho a mulher que eu quero Na cama que escolherei Vou-me embora pra Pasárgada Vou-me embora pra Pasárgada Aqui eu não sou feliz Lá a existência é uma aventura De tal modo inconseqüente Que Joana a Louca de Espanha Rainha e falsa demente Vem a ser contraparente Da nora que eu nunca tive E como farei ginástica Andarei de bicicleta Montarei em burro brabo Subirei no pau-de-sebo Tomarei banhos de mar! E quando estiver cansado Deito na beira do rio Mando chamar a mãe-d'água Pra me contar as histórias Que no tempo de eu menino Rosa vinha me contar Vou-me embora pra Pasárgada Em Pasárgada tem tudo É outra civilização Tem um processo seguro De impedir a concepção Tem telefone automático Tem alcalóide à vontade Tem prostitutas bonitas Para a gente namorar E quando eu estiver mais triste Mas triste de não ter jeito Quando de noite me der Vontade de me matar — Lá sou amigo do rei — Terei a mulher que eu quero Na cama que escolherei Vou-me embora pra Pasárgada.
O MENINO DOENTE Autor: Manuel Bandeira Para que o menino Durma sossegado, Sentada ao seu lado A mãezinha canta: — "Dodói, vai-te embora! "Deixa o meu filhinho, "Dorme . . . dorme . . . meu . . ." Morta de fadiga, Ela adormeceu. Então, no ombro dela, Um vulto de santa, Na mesma cantiga, Na mesma voz dela, Se debruça e canta: — "Dorme, meu amor. "Dorme, meu benzinho . . . " E o menino dorme.
DEBUSSY Autor: Manuel Bandeira Para cá, para lá . . . Para cá, para lá . . . Um novelozinho de linha . . . Para cá, para lá . . . Para cá, para lá . . . Oscila no ar pela mão de uma criança (Vem e vai . . .) Que delicadamente e quase a adormecer o balança — Psio . . . — Para cá, para lá . . . Para cá e . . . — O novelozinho caiu.
ANDORINHA Autor: Manuel Bandeira Andorinha lá fora está dizendo: — "Passei o dia à toa, à toa!" Andorinha, andorinha, minha cantiga é mais triste! Passei a vida à toa, à toa . . .
PARDALZINHO Autor: Manuel Bandeira O pardalzinho nasceu Livre. Quebraram-lhe a asa. Sacha lhe deu uma casa, Água, comida e carinhos. Foram cuidados em vão: A casa era uma prisão, O pardalzinho morreu. O corpo Sacha enterrou No jardim; a alma, essa voou Para o céu dos passarinhos!
IRENE NO CéU Autor: Manuel Bandeira Irene preta Irene boa Irene sempre de bom humor. Imagino Irene entrando no céu: — Licença, meu branco! E São Pedro bonachão: — Entra, Irene. Você não precisa pedir licença.
NOITE MORTA Autor: Manuel Bandeira Noite morta. Junto ao poste de iluminação Os sapos engolem mosquitos. Ninguém passa na estrada. Nem um bêbado. No entanto há seguramente por ela uma procissão de sombras. Sombras de todos os que passaram. Os que ainda vivem e os que já morreram. O córrego chora. A voz da noite . . . (Não desta noite, mas de outra maior.)
O úLTIMO POEMA Autor: Manuel Bandeira Assim eu quereria o meu último poema. Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.
POEMA DO BECO Autor: Manuel Bandeira Que importa a paisagem, a Glória, a baía, a linha do horizonte? — O que eu vejo é o beco
ARTE DE AMAR Autor: Manuel Bandeira Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma. A alma é que estraga o amor. Só em Deus ela pode encontrar satisfação. Não noutra alma. Só em Deus — ou fora do mundo. As almas são incomunicáveis. Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo. Porque os corpos se entendem, mas as almas não.
RôMULO REMA Autor: Cecília Meireles Rômulo rema no rio. A romã dorme no ramo, a romã rubra. (E o céu) O remo abre o rio. O rio murmura. A romã rubra dorme cheia de rubis. ( E o céu) Rômulo rema no rio. Abre-se a romã. Abre-se a manhã. Rolam rubis rubros no céu. No rio, Rômulo rema.
LEILãO DE JARDIM Autor: Cecília Meireles Quem me compra um jardim com flores? Borboletas de muitas cores, lavadeiras e passarinhos, ovos verdes e azuis nos ninhos? Quem me compra este caracol? Quem me compra um raio de sol? Um lagarto entre o muro e a hera, uma estátua da Primavera? Quem me compra este formigueiro? E este sapo, que é jardineiro? E a cigarra e a sua canção? E o grilinho dentro do chão? (Este é o meu leilão.)
OU ISTO OU AQUILO Autor: Cecília Meireles Ou se tem chuva ou não se tem sol, ou se tem sol ou não se tem chuva! Ou se calça a luva e não se põe o anel, ou se põe o anel e não se calça a luva! Quem sobe nos ares não fica no chão, Quem fica no chão não sobe nos ares. É uma grande pena que não se possa estar ao mesmo tempo em dois lugares! Ou guardo dinheiro e não compro doce, ou compro doce e não guardo dinheiro. Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo... e vivo escolhendo o dia inteiro! Não sei se brinco, não sei se estudo, se saio correndo ou fico tranqüilo. Mas não consegui entender ainda qual é melhor: se é isto ou aquilo.
O CAVALINHO BRANCO Autor: Cecília Meireles À tarde, o cavalinho branco está muito cansado: mas há um pedacinho do campo onde sempre é feriado.. O cavalo sacode a crina loura e comprida e nas verdes ervas atira sua branca vida. Seu relincho estremece as raízes e ele ensina aos ventos a alegria de sentir livres seus movimentos. Trabalhou todo o dia, tanto! Desde a madrugada! Descansa entre as flores, cavalinho branco, de crina dourada.
COLAR DE CAROLINA Autor: Cecília Meireles Com seu colar de coral, Carolina corre por entre as colunas da colina. O colar de Carolina colore o colo de cal, torna corada a menina. E o sol, vendo aquela cor do colar de Carolina, põe coroas de coral nas colunas da colina.
SONHOS DA MENINA Autor: Cecília Meireles A flor com que a menina sonha está no sonho? ou na fronha? Sonho risonho: O vento sozinho no seu carrinho. De que tamanho seria o rebanho? A vizinha apanha a sombrinha de teia de aranha... Na lua há um ninho de passarinho. A lua com que a menina sonha é o linho do sonho ou a lua de fronha?
A POMBINHA DA MATA Autor: Cecília Meireles Três meninos na mata ouviram uma pombinha gemer. "Eu acho que ela está com fome", disse o primeiro, "e não tem nada para comer." Três meninos na mata ouviram uma pombinha carpir. "Eu acho que ela ficou presa", disse o segundo, "e não sabe como fugir." Três meninos na mata ouviram uma pombinha gemer. "Eu acho que ela está com saudade", disse o terceiro, "e com certeza vai morrer".
CANçãO Autor: Cecília Meireles Pus o meu sonho num navio e o navio em cima do mar; - depois, abri o mar com as mãos, para o meu sonho naufragar Minhas mãos ainda estão molhadas do azul das ondas entreabertas, e a cor que escorre de meus dedos colore as areias desertas. O vento vem vindo de longe, a noite se curva de frio; debaixo da água vai morrendo meu sonho, dentro de um navio... Chorarei quanto for preciso, para fazer com que o mar cresça, e o meu navio chegue ao fundo e o meu sonho desapareça. Depois, tudo estará perfeito; praia lisa, águas ordenadas, meus olhos secos como pedras e as minhas duas mãos quebradas.
RETRATO Autor: Cecília Meireles Eu não tinha este rosto de hoje, assim calmo, assim triste, assim magro, nem estes olhos tão vazios, nem o lábio amargo. Eu não tinha estas mãos sem força, tão paradas e frias e mortas; eu não tinha este coração que nem se mostra. Eu não dei por esta mudança, tão simples, tão certa, tão fácil: — Em que espelho ficou perdida a minha face?
SERENATA Autor: Cecília Meireles Permita que eu feche os meus olhos, pois é muito longe e tão tarde! Pensei que era apenas demora, e cantando pus-me a esperar-te. Permite que agora emudeça: que me conforme em ser sozinha. Há uma doce luz no silencio, e a dor é de origem divina. Permite que eu volte o meu rosto para um céu maior que este mundo, e aprenda a ser dócil no sonho como as estrelas no seu rumo.
TIMIDEZ Autor: Cecília Meireles Basta-me um pequeno gesto, feito de longe e de leve, para que venhas comigo e eu para sempre te leve... - mas só esse eu não farei. Uma palavra caída das montanhas dos instantes desmancha todos os mares e une as terras mais distantes... - palavra que não direi. Para que tu me adivinhes, entre os ventos taciturnos, apago meus pensamentos, ponho vestidos noturnos, - que amargamente inventei. E, enquanto não me descobres, os mundos vão navegando nos ares certos do tempo, até não se sabe quando... e um dia me acabarei.
DESPEDIDA Autor: Cecília Meireles Por mim, e por vós, e por mais aquilo que está onde as outras coisas nunca estão, deixo o mar bravo e o céu tranqüilo: quero solidão. Meu caminho é sem marcos nem paisagens. E como o conheces? - me perguntarão. - Por não ter palavras, por não ter imagens. Nenhum inimigo e nenhum irmão. Que procuras? - Tudo. Que desejas? - Nada. Viajo sozinha com o meu coração. Não ando perdida, mas desencontrada. Levo o meu rumo na minha mão. A memória voou da minha fronte. Voou meu amor, minha imaginação... Talvez eu morra antes do horizonte. Memória, amor e o resto onde estarão? Deixo aqui meu corpo, entre o sol e a terra. (Beijo-te, corpo meu, todo desilusão! Estandarte triste de uma estranha guerra...)
MEU SONHO Autor: Cecília Meireles Parei as águas do meu sonho para teu rosto se mirar. Mas só a sombra dos meus olhos ficou por cima, a procurar... Os pássaros da madrugada não têm coragem de cantar, vendo o meu sonho interminável e a esperança do meu olhar. Procurei-te em vão pela terra, perto do céu, por sobre o mar. Se não chegas nem pelo sonho, por que insisto em te imaginar ? Quando vierem fechar meus olhos, talvez não se deixem fechar. Talvez pensem que o tempo volta, e que vens, se o tempo voltar.
SE EU FOSSE APENAS... Autor: Cecília Meireles Se eu fosse apenas uma rosa, Com que prazer me desfolhava, Já que a vida é tão dolorosa E não te sei dizer mais nada! Se eu fosse apenas água ou vento, Com que prazer me desfaria, Como em teu próprio pensamento Vais desfazendo a minha vida! Perdoa-me causar-te a mágoa Desta humana amarga demora! De ser menos breve do que a água, Mais durável que o vento e a rosa...
REINVENçãO Autor: Cecília Meireles A vida só é possível reinventada. Anda o sol pelas campinas e passeia a mão dourada pelas águas, pelas folhas... Ah! tudo bolhas que vem de fundas piscinas de ilusionismo... - mais nada. Mas a vida, a vida, a vida, a vida só é possível reinventada. Vem a lua, vem, retira as algemas dos meus braços. Projeto-me por espaços cheios da tua Figura. Tudo mentira! Mentira da lua, na noite escura. Não te encontro, não te alcanço... Só - no tempo equilibrada, desprendo-me do balanço que além do tempo me leva. Só - na treva, fico: recebida e dada. Porque a vida, a vida, a vida, a vida só é possível reinventada.
ROSA Autor: Cecília Meireles "Tu és como rosto das rosas: diferente em cada pétala. Onde estava o teu perfume? Ninguém soube. Teu lábio sorriu para todos os ventos e o mundo inteiro ficou feliz. Eu, só eu, encontrei a gota de orvalho que te alimentava, como um segredo que cai do sonho..."
ACALANTO Autor: Cecília Meireles Dorme, que eu penso. Cada qual assim navega pelo seu mar imenso. Estarás vendo. Eu estou cega. Nem te vejo nem a mim. No teu mar, talvez se chega. Este, não tem fim. Dorme, que eu penso Que eu penso nesse navio clarividente em que vais. Mensagens tristes lhe envio. Pensamentos... - nada mais.
FLOR EXPERIENTE Autor: Carlos Drummond de Andrade Uma flor matizada entreabre-se em meus dedos. Já sou terra estrumada - é um de meus segredos. Careceu vida lenta e mais que lenta, peca, para a cor que ornamenta esta epiderme seca. Assino-me no cálice de estrias fraternais. O pensamento cale-se. É jardim, nada mais.
MEMóRIA Autor: Carlos Drummond de Andrade Amar o perdido deixa confundido este coração. Nada pode o olvido contra o sem sentido apelo do Não. As coisas tangíveis Tornam-se insensíveis à palma da mão. Mas as coisas findas, muito mais que lindas, essas ficarão.
SONETO DA PERDIDA ESPERANçA Autor: Carlos Drummond de Andrade Perdi o bonde e a esperança. Volto pálido para casa. A rua é inútil e nenhum auto passaria sobre meu corpo. Vou subir a ladeira lenta em que os caminhos se fundem. Todos eles conduzem ao princípio do drama e da flora. Não sei se estou sofrendo ou se alguém que se diverte por que não? na noite escassa com um insolúvel flautim Entretanto há muito tempo nós gritamos: sim! ao eterno.
MãOS DADAS Autor: Carlos Drummond de Andrade Não serei o poeta de um mundo caduco. Também não cantarei o mundo futuro. Estou preso à vida e olho meus companheiros. Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças. Entre eles, considero a enorme realidade. O presente é tão grande, não nos afastemos. Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas. Não serei o cantor de uma mulher, de uma história, não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela, não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins. O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente.
RECEITA DE UM ANO NOVO Autor: Carlos Drummond de Andrade Para você ganhar belíssimo Ano Novo cor do arco-íris, ou da cor da sua paz, Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido (mal vivido talvez ou sem sentido) para você ganhar um ano não apenas pintado de novo, remendado às carreiras, mas novo nas sementinhas do vir-a-ser; novo até no coração das coisas menos percebidas (a começar pelo seu interior) novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota, mas com ele se come, se passeia, se ama, se compreende, se trabalha, você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita, não precisa expedir nem receber mensagens (planta recebe mensagens? passa telegramas?) Não precisa fazer lista de boas intenções para arquivá-las na gaveta. Não precisa chorar arrependido pelas besteiras consumidas nem parvamente acreditar que por decreto de esperança a partir de janeiro as coisas mudem e seja tudo claridade, recompensa, justiça entre os homens e as nações, liberdade com cheiro e gosto de pão matinal, direitos respeitados, começando pelo direito augusto de viver. Para ganhar um Ano Novo que mereça este nome, você, meu caro, tem de merecê-lo, tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil, mas tente, experimente, consciente. É dentro de você que o Ano Novo cochila e espera desde sempre.
NãO PASSOU Autor: Carlos Drummond de Andrade Passou? Minúsculas eternidades deglutidas por mínimos relógios ressoam na mente cavernosa. Não, ninguém morreu, ninguém foi infeliz. A mão- a tua mão, nossas mãos- rugosas, têm o antigo calor de quando éramos vivos. Éramos? Hoje somos mais vivos do que nunca. Mentira, estarmos sós. Nada, que eu sinta, passa realemente. É tudo ilusão de ter passado.
ACORDAR, VIVER Autor: Carlos Drummond de Andrade Como acordar sem sofrimento? Recomeçar sem horror? O sono transportou-me àquele reino onde não existe vida e eu quedo inerte sem paixão. Como repetir, dia seguinte após dia seguinte, a fábula inconclusa, suportar a semelhança das coisas ásperas de amanhã com as coisas ásperas de hoje? Como proteger-me das feridas que rasga em mim o acontecimento, qualquer acontecimento que lembra a Terra e sua púrpura demente? E mais aquela ferida que me inflijo a cada hora, algoz do inocente que não sou? Ninguém responde, a vida é pétrea.
POEMA QUE ACONTECEU Autor: Carlos Drummond de Andrade Nenhum desejo neste domingo nenhum problema nesta vida o mundo parou de repente os homens ficaram calados domingo sem fim nem começo. A mão que escreve este poema não sabe o que está escrevendo mas é possível que se soubesse nem ligasse.
POESIA Autor: Carlos Drummond de Andrade Gastei uma hora pensando em um verso que a pena não quer escrever. No entanto ele está cá dentro inquieto, vivo. Ele está cá dentro e não quer sair. Mas a poesia deste momento inunda minha vida inteira.
NO MEIO DO CAMINHO Autor: Carlos Drummond de Andrade No meio do caminho tinha uma pedra tinha uma pedra no mei do caminho tinha uma pedra no meio do caminho tinha uma pedra. Nunca me esquecerei desse acontecimento na vida de minhas retinas tão fatigadas. Nunca me esquecerei que no meio do caminho tinha uma pedra Tinha uma pedra no meio do caminho no meio do caminho tinha uma pedra.
POEMA DA PURIFICAçãO Autor: Carlos Drummond de Andrade Depois de tantos combates o anjo bom matou o anjo mau e jogou seu corpo no rio. As água ficaram tintas de um sangue que não descorava e os peixes todos morreram. Mas uma luz que ninguém soube dizer de onde tinha vindo apareceu para clarear o mundo, e outro anjo pensou a ferida do anjo batalhador.
O MUNDO é GRANDE Autor: Carlos Drummond de Andrade O mundo é grande e cabe nesta janela sobre o mar. O mar é grande e cabe na cama e no colchão de amar. O amor é grande e cabe no breve espaço de beijar.
AS SEM-RAZõES DO AMOR Autor: Carlos Drummond de Andrade Eu te amo porque te amo, Não precisas ser amante, e nem sempre sabes sê-lo. Eu te amo porque te amo. Amor é estado de graça e com amor não se paga. Amor é dado de graça, é semeado no vento, na cachoeira, no eclipse. Amor foge a dicionários e a regulamentos vários. Eu te amo porque não amo bastante ou demais a mim. Porque amor não se troca, não se conjuga nem se ama. Porque amor é amor a nada, feliz e forte em si mesmo. Amor é primo da morte, e da morte vencedor, por mais que o matem (e matam) a cada instante de amor.
PARA SEMPRE Autor: Carlos Drummond de Andrade Por que Deus permite que as mães vão-se embora? Mãe não tem limite, é tempo sem hora, luz que não apaga quando sopra o vento e chuva desaba, veludo escondido na pele enrugada, água pura, ar puro, puro pensamento. Morrer acontece com o que é breve e passa sem deixar vestígio. Mãe, na sua graça, é eternidade. Por que Deus se lembra - mistério profundo - de tirá-la um dia? Fosse eu Rei do Mundo, baixava uma lei: Mãe não morre nunca, mãe ficará sempre junto de seu filho e ele, velho embora, será pequenino feito grão de milho.
CONSOLO NA PRAIA Autor: Carlos Drummond de Andrade Vamos, não chores. A infância está perdida. A mocidade está perdida. Mas a vida não se perdeu. O primeiro amor passou. O segundo amor passou. O terceiro amor passou. Mas o coração continua. Perdeste o melhor amigo. Não tentaste qualquer viagem. Não possuis carro, navio, terra. Mas tens um cão. Algumas palavras duras, em voz mansa, te golpearam. Nunca, nunca cicatrizam. Mas, e o humour? A injustiça não se resolve. À sombra do mundo errado murmuraste um protesto tímido. Mas virão outros. Tudo somado, devias precipitar-te, de vez, nas águas. Estás nu na areia, no vento... Dorme, meu filho.
SONETO DA FIDELIDADE Autor: Vinícius de Morais E tudo, ao meu amor serei atento Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto Que mesmo em face do maior encanto Dele se encante mais meus pensamentos Quero vivê-lo em cada vão momento E em seu louvor hei de espalhar meu canto E rir meu riso e derramar meu pranto Ao seu pesar ou seu contentamento E assim quando mais tarde me procure Quem sabe a morte, angústia de quem vive Quem sabe a solidão, fim de quem ama Eu possa me dizer do amor (que tive) Que não seja imortal, posto que é chama Mas que seja infinito enquanto dure.
SONETO DO AMOR TOTAL Autor: Vinícius de Morais Amo-te tanto meu amor... não cante O humano coração com mais verdade... Amo-te como amigo e como amante Numa sempre diversa realidade. Amo-te enfim, de um calmo amor prestante E te amo além, presente na saudade. Amo-te, enfim, com grande liberdade Dentro da eternidade e a cada instante. Amo-te como um bicho, simplesmente De um amor sem mistério e sem virtude Com um desejo maciço e permanente. E de te amar assim, muito e amiúde É que um dia em teu corpo de repente Hei de morrer de amar mais do que pude.
SONETO DE DEVOçãO Autor: Vinícius de Morais Essa mulher que se arremessa, fria E lúbrica em meus braços, e nos seios Me arrebata e me beija e balbucia Versos, votos de amor e nomes feios. Essa mulher, flor de melancolia Que se ri dos meus pálidos receios A única entre todas a quem dei Os carinhos que nunca a outra daria. Essa mulher que a cada amor proclama A miséria e a grandeza de quem ama E guarda a marca dos meus dentes nela. Essa mulher é um mundo! - uma cadela Talvez... - mas na moldura de uma cama Nunca mulher nenhuma foi tão bela!
AUSêNCIA Autor: Vinícius de Morais Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar seus olhos que são doces... Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres exausto... No entanto a tua presença é qualquer coisa, como a luz e a vida... E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto... E em minha voz, a tua voz... Não te quero ter, pois em meu ser tudo estaria terminado... Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados... Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada... Que ficou em minha carne como uma nódoa do passado... Eu deixarei...Tu irás e encostarás tua face em outra face... Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada... Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu... porque eu fui o grande íntimo da noite... Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa... Porque os meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado. E eu ficarei só como os veleiros nos portos silenciosos Mas eu te possuirei mais que ninguém, porque poderei partir. E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas, serão a tua voz presente, tua voz ausente, a tua voz serenizada.
DE REPENTE Autor: Vinícius de Morais De repente do riso fez-se o pranto Silencioso e branco como a bruma E das bocas unidas fez-se a espuma E das mãos espalmadas fez-se o espanto. De repente da calma fez-se o vento Que dos olhos desfez a última chama E da paixão fez-se o pressentimento E do momento imóvel fez-se o drama. De repente, não mais que de repente Fez-se de triste o que se fez amante E de sozinho o que se fez contente. Fez-se do amigo próximo o distante Fez-se da vida uma aventura errante De repente, não mais que de repente.
SONETO A QUATRO MãOS Autor: Paulo Mendes Campos/ Vinicius de Morais Tudo de amor que existe em mim foi dado. Tudo que fala em mim de amor foi dito. Do nada em mim o amor fez o infinito Que por muito tornou-me escravizado. Tão pródigo de amor fiquei coitado Tão fácil para amar fiquei proscrito. Cada voto que fiz ergueu-se em grito Contra o meu próprio dar demasiado. Tenho dado de amor mais que coubesse Nesse meu pobre coração humano Desse eterno amor meu antes não desse. Pois se por tanto dar me fiz engano Melhor fora que desse e recebesse Para viver da vida o amor sem dano.
A ROSA DE HIROSHIMA Autor: Vinícius de Morais Pensem nas crianças Mudas telepáticas Pensem nas meninas Cegas inexatas Pensem nas mulheres Rotas alteradas Pensem nas feridas Como rosas cálidas Mas oh não se esqueçam Da rosa da rosa Da rosa de Hiroshima A rosa hereditária A rosa radioativa Estúpida e inválida A rosa com cirrose A anti-rosa atômica Sem cor sem perfume Sem rosa sem nada
A AERONAVE Autor: Augusto dos Anjos Cindindo a vastidão do Azul profundo, Sulcando o espaço, devassando a terra, A Aeronave que um mistério encerra Vai pelo espaço acompanhando o mundo. E na esteira sem fim da azúlea esfera Ei-la embalada n'amplidão dos ares, Fitando o abismo sepulcral dos mares Vencendo o azul que ante si s'erguera. Voa, se eleva em busca do Infinito, É como um despertar de estranho mito, Auroreando a humana consciência. Cheia da luz do cintilar de um astro, Deixa ver na fulgência do seu rastro A trajetória augusta da Ciência.
A áRVORE DA SERRA Autor: Augusto dos Anjos - As árvores, meu filho, não têm alma! E esta árvore me serve de empecilho... É preciso cortá-la, pois, meu filho, Para que eu tenha uma velhice calma! - Meu pai, por que sua ira não se acalma?! Não vê que em tudo existe o mesmo brilho?! Deus pôs almas nos cedros... no junquilho... Esta árvore, meu pai, possui minha'alma!... - Disse - e ajoelhou-se, numa rogativa: "Não mate a árvore, pai, para que eu viva!" E quando a árvore, olhando a pátria serra, Caiu aos golpes do machado bronco, O moço triste se abraçou com o tronco E nunca mais se levantou da terra!
A ESPERANçA Autor: Augusto dos Anjos A Esperança não murcha, ela não cansa, Também como ela não sucumbe a Crença. Vão-se sonhos nas asas da Descrença, Voltam sonhos nas asas da Esperança. Muita gente infeliz assim não pensa; No entanto o mundo é uma ilusão completa, E não é a Esperança por sentença Este laço que ao mundo nos manieta? Mocidade, portanto, ergue o teu grito, Sirva-te a Crença de fanal bendito, Salve-te a glória no futuro - avança! E eu, que vivo atrelado ao desalento, Também espero o fim do meu tormento, Na voz da Morte a me bradar; descansa!
A ESPERANçA Autor: Augusto dos Anjos A Esperança não murcha, ela não cansa, Também como ela não sucumbe a Crença. Vão-se sonhos nas asas da Descrença, Voltam sonhos nas asas da Esperança. Muita gente infeliz assim não pensa; No entanto o mundo é uma ilusão completa, E não é a Esperança por sentença Este laço que ao mundo nos manieta? Mocidade, portanto, ergue o teu grito, Sirva-te a Crença de fanal bendito, Salve-te a glória no futuro - avança! E eu, que vivo atrelado ao desalento, Também espero o fim do meu tormento, Na voz da Morte a me bradar; descansa!
A FOME E O AMOR Autor: Augusto dos Anjos Fome! E, na ânsia voraz que, ávida, aumenta, Receando outras mandíbulas a esbangem, Os dentes antropófagos que rangem, Antes da refeição sanguinolenta! Amor! E a satiríase sedenta, Rugindo, enquanto as almas se confrangem, Todas as danações sexuais que abrangem A apolínica besta famulenta! Ambos assim, tragando a ambiência vasta, No desembestamento que os arrasta, Superexcitadíssimos. os dois Representam. no ardor dos seus assomos A alegoria do que outrora fomos E a imagem bronca do que inda hoje sois!
A IDéIA Autor: Augusto dos Anjos De onde ela vem?! De que matéria bruta Vem essa luz que sobre as nebulosas Cal de incógnitas criptas misteriosas Como as estalactites duma gruta? Vem da psicogenética e alta luta Do feixe de moléculas nervosas, Que, em desintegrações maravilhosas, Delibera, e depois, quer e executa! Vem do encéfalo absconso que a constringe, Chega em seguida às cordas da laringe, Tísica, tênue, mínima, raquítica... Quebra a força centrípeta que a amarra, Mas, de repente, e quase morta, esbarra No molambo da língua paralítica!
A LáGRIMA Autor: Augusto dos Anjos - Faça-me o obséquio de trazer reunidos Clorureto de sódio, água e albumina... Ah! Basta isto, porque isto é que origina A lágrima de todos os vencidos! - A farmacologia e a medicina Com a relatividade dos sentidos Desconhecem os mil desconhecidos Segredos dessa secreção divina. - O farmacêutico me obtemperou. - Vem-me então à lembrança o pai Ioiô Na ânsia psíquica da última eficácia! E logo a lágrima em meus olhos cai. Ah! Vale mais lembrar-me eu de meu Pai Do que todas as drogas da farmácia!
A MINHA ESTRELA Autor: Augusto dos Anjos Eu disse - Vai-te, estrela do Passado! Esconde-te no Azul da Imensidade, Lá onde nunca chegue esta saudade, - A sombra deste afeto estiolado. Disse, e a estrela foi p'ra o Céu subindo, Minh'alma que de longe a acompanhava, Viu o adeus que ela do Céu enviava, E quando ela no Azul foi se sumindo Surgia a Aurora - a mágica princesa! E eu vi o Sol do Céu iluminando A Catedral da Grande Natureza. Mas a noute chegou, triste, com ela Negras sombras também foram chegando, E eu nunca mais vi a minha estrela!
A MORTE DE VêNUS Autor: Augusto dos Anjos Velhos berilos, pálidas cortinas, Morno frouxel de nardos recendendo Velam-lhe o sono... e Vênus vai morrendo No berço azul das névoas matutinas! Halos de luz de brancas musselinas Vão-lhe do corpo virginal descendo - Abelha irial que foi adormecendo Sobre um coxim de pérolas divinas. E quando o Sol lhe beija a espádua nua, Cai-lhe da carne o resplendor da Lua No reverbero dos deslumbramentos... Enquanto no ar há sândalos, há flores E haustos de morte - os últimos clangores Da música chorosa dos mementos!
A NAU Autor: Augusto dos Anjos Sôfrega, alçando o hirto esporão guerreiro, Zarpa. A íngreme cordoalha úmida fica... Lambe-lhe a quilha a espúmea onda impudica E ébrios tritões, babando, haurem-lhe o cheiro! Na glauca artéria equórea ou no estaleiro Ergue a alta mastreação, que o Éter indica, E estende os braços da madeira rica Para as populações do mundo inteiro! Aguarda-a ampla reentrância de angra horrenda, Pára e, a amarra agarrada à âncora, sonha! Mágoas, se as tem, subjugue-as ou disfarce-as... E não haver uma alma que lhe entenda A angustia transoceânica medonha No rangido de todas as enxárcias!
ABANDONADA Autor: Augusto dos Anjos Bem depressa sumiu-se a vaporosa Nuvem de amores, de ilusões tão bela; O brilho se pagou daquela estrela Que a vida lhe tornava venturosa! Sombras que passam, sombras oor-de-rosa - Todas se foram num festivo bando, Fugazes sonhos, gárrulos voando - Resta somente um'alma tristurosa! Coitada! o gozo lhe fugiu correndo, Hoje ela habita a erma soledade, Em que vive e em que aos poucos vai morrendo! Seu rosto triste, seu olhar magoado, Fazem lembrar em noute de saudade A luz mortiça d'um olhar nublado.
ANSEIO Autor: Augusto dos Anjos Quem sou eu, neste ergástulo das vidas Danadamente, a soluçar de dor?! - Trinta trilhões de células vencidas, Nutrindo uma efeméride interior. Branda, entanto, a afagar tantas feridas, A áurea mão taumatúrgica do Amor Traça, nas minhas formas carcomidas, A estrutura de um mundo superior! Alta noite, esse mundo incoerente Essa elementaríssima semente Do que hei de ser, tenta transpor o Ideal... Grita em meu grito, alarga-se em meu hausto, E, ai! como eu sinto no esqueleto exausto Não poder dar-lhe vida material!
CETICISMO Autor: Augusto dos Anjos Desci um dia ao tenebroso abismo, Onde a Dúvida ergueu altar profano; Cansado de lutar no mundo insano Fraco que sou volvi ao ceticismo. Da Igreja - a Grande Mãe - o exorcismo Terrível me feriu, e então sereno De joelhos aos pés do Nazareno Baixo rezei em fundo misticismo: - Oh! Deus, eu creio em ti, mas me perdoa! Se esta dúvida cruel qual me magoa Me torna ínfimo, desgraçado réu. Ah, entre o medo que o meu ser aterra, Não sei se viva pra morrer na terra, Não sei se morra p'ra viver no céu!
CONTRASTES Autor: Augusto dos Anjos A antítese do novo e do absoleto, O Amor e a Paz, o Ódio e a Carnificina, O que o homem ama e o que o homem abomina, Tudo convém para o homem ser completo! O ângulo obtuso, pois, e o ângulo reto, Uma feição humana e outra divina São como a eximenina e a endimenina Que servem ambas para o mesmo feto! Eu sei tudo isto mais do que o Eclesiastes! Por justaposição destes contrastes, Junta-se um hemisfério a outro hemisfério, Às alegrias juntam-se as tristezas, E o carpinteiro que fabrica as mesas Faz também os caixões do cemitério!...
CORAçãO FRIO Autor: Augusto dos Anjos Frio o sagrado coração da lua, Teu coração rolou da luz serena! E eu tinha ido ver a aurora tua Nos raios d'ouro da celeste arena... E vi-te triste, desvalida e nua! E o olhar perdi, ansiando a luz amena No silêncio notívago da rua... - Sonâmbulo glacial da estranha pena! Estavas fria! A neve que a alma corta Não gele talvez mais, nem mais alquebre Um coração como a alma que está morta... E estavas morta, eu vi, eu que te almejo, Sombra de gelo que me apaga a febre, - Lua que esfria o sol do meu desejo!
DECADêNCIA Autor: Augusto dos Anjos Iguais ás linhas perpendiculares Caíram, como cruéis e hórridas hastas, Nas suas 33 vértebras gastas Quase todas as pedras tumulares! A frialdade dos círculos polares, Em sucessivas atuações nefastas, Penetrara-lhe os próprios neuroplastas, Estragara-lhe os centros medulares! Como quem quebra o objeto mais querido E começa a apanhar piedosamente Todas as microscópicas partículas, Ele hoje vê que, após tudo perdido, Só lhe restam agora o ultimo dente E a armação funerária das clavículas!
ETERNA MáGOA Autor: Augusto dos Anjos O homem por sobre quem caiu a praga Da tristeza do Mundo, o homem que é triste Para todos os séculos existe E nunca mais o seu pesar se apaga! Não crê em nada, pois, nada há que traga Consolo á Mágoa, a que só ele assiste. Quer resistir, e quanto mais resiste Mais se lhe aumenta e se lhe afunda a chaga. Sabe que sofre, mas o que não sabe E que essa mágoa infinda assim, não cabe Na sua vida, é que essa mágoa infinda Transpõe a vida do seu corpo inerme; E quando esse homem se transforma em verme E essa mágoa que o acompanha ainda!
GUERRA Autor: Augusto dos Anjos Guerra é esforço, é inquietude, é ânsia, é transporte... E a dramatização sangrenta e dura Da avidez com que o Espírito procura Ser perfeito, ser máximo, ser forte! E a Subconsciência que se transfigura Em volição conflagradora... É a coorte Das raças todas, que se entrega à morte Para a felicidade da Criatura! E a obsessão de ver sangue, é o instinto horrendo De subir, na ordem cósmica, descendo À irracionalidade primitiva. E a Natureza que, no seu arcano, Precisa de encharcar-se em sangue humano Para mostrar aos homens que está viva!
IDEAL Autor: Augusto dos Anjos Quero-te assim, formosa entre as formosas, No olhar d'amor a mística fulgência E o misticismo cândido das rosas, Plena de graça, santa de inocência! Anjo de luz de astral aurifulgência, Etéreo como as Wilis vaporosas, Embaladas no albor da adolescência, - Virgens filhas das virgens nebulosas! Quero4e assim, formosa, entre esplendores, Colmado o seio de virentes flores, A alma diluída em eterais cismares... Quero-te assim - e que bendita sejas Como as aras sagradas das igrejas, Como o Cristo sagrado dos altares.
IDEALISMO Autor: Augusto dos Anjos Falas de amor, e eu ouço tudo e calo! O amor da Humanidade é uma mentira. É. E por isto que na minha lira De amores fúteis poucas vezes falo. O amor! Quando virei por fim a amá-lo?! Quando, se o amor que a Humanidade inspira É o amor do sibarita e da hetaíra, De Messalina e de Sardanapalo?! Pois é mister que, para o amor sagrado, O mundo fique imaterializado - Alavanca desviada do seu fulcro - E haja só amizade verdadeira Duma caveira para outra caveira, Do meu sepulcro para o teu sepulcro?!
ILUSãO Autor: Augusto dos Anjos Dizes que sou feliz. Não mentes. Dizes Tudo que sentes. A infelicidade Parece às vezes com a felicidade E os infelizes mostram ser felizes! Assim, em Tebas - a tumbal cidade, A múmia de um herói do tempo de Ísis, Ostenta ainda as mesmas cicatrizes Que eternizaram sua heroicidade! Quem vê o her6i, inda com o braço altivo, Diz que ele não morreu, diz que ele é vivo, E, persuadido fica do que diz... Bem como tu, que nessa crença infinda Feliz me viste no Passado, e ainda Te persuades de que sou feliz!
INFELIZ Autor: Augusto dos Anjos Alma viúva das paixões da vida, Tu que, na estrada da existência em fora, Cantaste e riste, e na existência agora Triste soluças a ilusão perdida; Oh! tu, que na grinalda emurchecida De teu passado de felicidade Foste juntar os goivos da Saudade Às flores da Esperança enlanguescida; Se nada te aniquila o desalento Que te invade, e pesar negro e profundo, Esconde a Natureza o sofrimento, E fica no teu ermo entristecida, Alma arrancada do prazer do mundo, Alma viúva das paixões da vida.
MINHA FINALIDADE Autor: Augusto dos Anjos Turbilhão teleológico incoercível, Que força alguma inibitória acalma, Levou-me o crânio e pôs-lhe dentro a palma Dos que amam apreender o Inapreensível! Predeterminação imprescriptível Oriunda da infra-astral Substância calma Plasmou, aparelhou, talhou minha alma Para cantar de preferência o Horrível! Na canonização emocionante, Da dor humana, sou maior que Dante, - A águia dos latifúndios florentinos! Sistematizo, soluçando, o Inferno... E trago em mim, num sincronismo eterno A fórmula de todos os destinos!
O LUPANAR Autor: Augusto dos Anjos Ah! Por que monstruosíssimo motivo Prenderam para sempre, nesta rede, Dentro do ângulo diedro da parede, A alma do homem polígamo e lascivo?! Este lugar, moços do mundo, vede: É o grande bebedouro coletivo, Onde os bandalhos, como um gado vivo, Todas as noites, vêm matar a sede! É o afrodístico leito do hetairismo A antecâmara lúbrica do abismo, Em que é mister que o gênero humano entre, Quando a promiscuidade aterradora Matar a última forca geradora E comer o último óvulo do ventre!
O RISO Autor: Augusto dos Anjos O Riso - o voltairesco clown - quem mede-o?! - Ele, que ao frio alvor da Mágoa Humana, Na Via-Látea fria do Nirvana, Alenta a Vida que tombou no Tédio! Que à Dor se prende, e a todo o seu assédio, E ergue à sombra da dor a que se irmana Lauréis de sangue de volúpia insana, Clarões de sonho em nimbos de epicédio! Bendito sejas, Riso, clown da Sorte - Fogo sagrado nos festins da Morte - Eterno fogo, saturnal do Inferno! Eu te bendigo! No mundano cúmulo És a Ironia que tombou no túmulo Nas sombras mortas de um desgosto eterno!
PECADORA Autor: Augusto dos Anjos Tinha no olhar cetíneo, aveludado, A chama cruel que arrasta os corações, Os seios rijos eram dois brasões Onde fulgia o símb'lo do pecado. Bela, divina, o porte emoldurado No mármore sublime dos contornos, Os seios brancos, palpitantes, mornos, Dançavam-lhe no colo perfumado. No entanto, esta mulher de grã beleza, Moldada pela mão da Natureza, Tornou-se a pecadora vil. Do fado Do destino fatal, presa, morria, Uma noite entre as vascas da agonia, Tendo no corpo o verme do pecado!
SAUDADE Autor: Augusto dos Anjos Hoje que a mágoa me apunhala o seio, E o coração me rasga atroz, imensa, Eu a bendigo da descrença em meio, Porque eu hoje só vivo da descrença. À noite quando em funda soledade Minh'alma se recolhe tristemente, Pra iluminar-me a alma descontente, Se acende o círio triste da Saudade. E assim afeito às mágoas e ao tormento, E à dor e ao sofrimento eterno afeito, Para dar vida à dor e ao sofrimento, Da saudade na campa enegrecida Guardo a lembrança que me sangra o peito, Mas que no entanto me alimenta a vida.
SEDUTORA Autor: Augusto dos Anjos Alva d'aurora, e em lânguida sonata Vinhas transpondo a margem do caminho, Branca bem como empalecido arminho, Alvorejando em arrebol de prata. Bendita a Santa do Carinho, inata! E, ajoelhando à imagem do Carinho, O roble altivo entreteceu4e um ninho, Alva d'aurora, te acolheu a mata. Pérolas e ouro pela serrania... No lago branco e rútilo do dia O azul pompeava para sempre vasto. Chegaste, o seio branco, e, tu, chegando, Uma pantera foi se ajoelhando, Rendida ao eflúvio do teu seio casto!
SOFREDORA Autor: Augusto dos Anjos Cobre-lhe a fria palidez do rosto O sendal da tristeza que a desola; Chora - o orvalho do pranto lhe perola As faces maceradas de desgosto. Quando o rosário de seu pranto rola, Das brancas rosas do seu triste rosto Que rolam murchas como um sol já posto Um perfume de lágrimas se evola. Tenta às vezes, porém, nervosa e louca Esquecer por momento a mágoa intensa Arrancando um sorriso á flor da boca. Mas volta logo um negro desconforto, Bela na Dor, sublime na Descrença, Como Jesus a soluçar no Horto.
SOLITáRIO Autor: Augusto dos Anjos Como um fantasma que se refugia Na solidão da natureza morta, Por trás dos ermos túmulos, um dia, Eu fui refugiar-me á tua porta! Fazia frio e o frio que fazia Não era esse que a carne nos conforta. Cortava assim como em carniçaria O aço das facas incisivas corta! Mas tu não vieste ver minha Desgraça! E eu saí, como quem tudo repele, - Velho caixão a carregar destroços - Levando apenas na tumbal carcaça O pergaminho singular da pele E o chocalho fatídico dos ossos!
TREVA E LUZ Autor: Augusto dos Anjos Neste pélago escuro em que te afundas, Longe das sombras aurorais e amadas, Sentes o peito em ânsias revoltadas, Diluis teu peito em sensações profundas. Mas, eis que emerges, luminosa, às fundas Águas do mar das glórias obumbradas, E, ante o branco estendal das madrugadas, Nua, em banho ideal de amor te inundas. Agora, á luz das alvoradas santas Ungem-te o corpo redolências tantas, Que, ao ver-te nua, o Mundo se concentre, E a lua, a Virgem Mãe dos céus escampos, Que beija a terra e que abençoa os campos, Beije-te o seio e te abençoe o ventre!
TRISTE REGRESSO Autor: Augusto dos Anjos Uma vez um poeta, um tresloucado, Apaixonou-se d'uma virgem bela; Vivia alegre o vate apaixonado, Louco vivia, enamorado dela. Mas a Pátria chamou-o. Era soldado. E tinha que deixar pra sempre aquela Meiga visão, olímpica e singela?! E partiu, coração amargurado. Dos canhões ao ribombo, e das metralhas, Altivo lutador, venceu batalhas, Juncou-lhe a fronte aurifulgente estrela. E voltou, mas a fronte aureolada, Ao chegar, pendeu triste e desmaiada, No sepulcro da loura virgem bela.
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